We, the people…

Nós perdemos a República. Todos nós temos que agir para retomá-la.

Trecho retirado da palestra do professor de Direito da Universidade Harvard, Lawrence Lessig (1961-) intitulada, “Nós, o povo, e a República que precisamos retomar”

Não é preciso dizer que os interesses monetários e aqueles que estão no poder e beneficiam-se dos arranjos atuais têm uma visão diferente e colaboram para manter o status quo. Como resultado, a vida política cada vez mais torna-se um empreendimento reservado para aqueles como Trump que tem um grande patrimônio pessoal, ou para aqueles como Hillary Clinton que mostram uma aptidão para convencer os ricos a abrirem a carteira, com tudo aquilo que isso implica em termos de concessões, acomodação, e pagamento posterior de favores.

Trecho retirado do artigo “A Decadência da Política Americana”, de Andrew J. Bacevich (1947-), historiador americano especializado em Relações Internacionais

    Prezados leitores, sabem a diferença fundamental entre a Constituição dos Estados Unidos e a do Brasil? Alguns dirão que a americana é muito mais enxuta, com seus 21 artigos, do que a nossa, que tem 250 artigos. Eu diria que antes de mais nada, o “We, the people of the United States…” tem um impacto muito maior do que “Nós, representantes do povo brasileiro…”. No primeiro caso, é o povo falando, o povo decidindo escrever uma Constituição para os Estados Unidos da América. No segundo caso, são os representantes que decidem sobre o conteúdo da Constituição de acordo com o que acham ser a vontade do povo. É claro que na prática em ambos os casos o texto foi redigido por um seleto grupo de pessoas, com uma diferença de exatos 201 anos. Mas o efeito simbólico da referência ao povo, sem intermediários, mostra o ideal que os americanos tinham em mente, a coisa pública, a res pública cujos destinos os cidadãos decidiriam por meio de eleições.

    Não tentarei aqui discorrer sobre se o ideal da república governada pelo povo e para o povo realmente algum dia verificou-se na prática na América do Norte. O importante é que em pleno século 21 há uma percepção de que a democracia na “América” tornou-se um conceito totalmente desprovido de sentido. Um dos que explicam o porquê de não haver nem mais república e nem mais decisão pelo povo é Lawrence Lessig, que na palestra mencionada acima fala sobre aquilo que está matando a república americana.

    Os políticos passam a maior parte do seu tempo angariando recursos para a próxima campanha eleitoral, e ao receberem dinheiro de um punhado de doadores pertencentes à elite de 1%, precisam dar-lhes algo em troca, o que significa defender os interesses dessa minoria, em detrimento da maioria que elegeu o candidato. Lessig descreve a democracia americana como patológica, destruída pela corrupção. O governo obedece à agenda dos financiadores dos políticos, e acaba não trabalhando nem para a esquerda e nem para a direita. Os únicos beneficiários das políticas governamentais são aqueles que dão o dinheiro aos eleitos e, claro, os políticos e burocratas que depois de passarem um tempo exercendo uma função “pública” conseguem cargos na iniciativa privada em troca dos favores realizados quando tinham o poder de decisão de acordo com a cartilha estabelecida pela pequena claque de doadores.

    Para Lessig, a única solução para cortar o mal pela raiz é estabelecer um método de financiamento baseado em pequenos valores, uma espécie de crowdfunding de forma que um número muito maior de pessoas fossem doadoras e, portanto, tivessem capacidade de ter influência sobre o que é decidido nas altas esferas. Alguns Estados americanos já promulgaram leis nesse sentido e a esperança de Lessig é que o sistema de campanhas financiadas pelos cidadãos, e não pelo 1%, prevaleça e permita acabar com a corrupção da coisa pública.

    É óbvio que padecemos dos mesmos problemas dos americanos, como temos podido constatar ao longo desses árduos meses de 2016. Nossos políticos, de todos os quadrantes, estão na folha de pagamento de alguma empreiteira, e não admira que tal conluio influencie as escolhas das prioridades orçamentárias. Decidir fazer uma Copa do Mundo e Jogos Olímpicos dois anos depois é fruto do cálculo maquiavélico de governantes que viram nisso uma oportunidade de promover-se e criar a oportunidade de bons negócios, leia-se bons contratos para os amigos doadores. Prevê-se que as Olimpíadas do Rio terão um rombo de 500 milhões de reais, o qual será pago não só pelos cariocas, mas por todos os brasileiros, que não morando no Rio pouco nos beneficiaremos do tal do legado deixado na cidade com as reformas urbanísticas realizadas para o evento. E não quero nem imaginar como estarão as instalações olímpicas daqui a um ano, quando as redes de televisão terão ido embora. Virarão sucata?

    Os otimistas dirão que a Operação Lava Jato está escancarando a influência nefasta dos mega doadores sobre a política brasileira e que a partir de agora haverá boas práticas de governança. Devemos dar tempo ao tempo para verificarmos qual será a influência de longo prazo das investigações, mas por enquanto as velhas práticas do toma lá dá cá continuam firmes e fortes. O Sr. Michel Temer foi colocado no lugar de Dona Dilma, acusada de pedaladas fiscais. A medida de maior impacto do rei das mesóclises até agora foi ter aprovado um aumento de 41% para o Poder Judiciário, que todos sabemos ter um lobby fortíssimo.

    Será que houve consideração do impacto sobre as finanças públicas ou simplesmente Temer cedeu à pressão para garantir-se no cargo? Como é que os paladinos da probidade administrativa jogam pedras naquela que desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal, e ao mesmo tempo mandam às favas a contenção de gastos? Que hipocrisia é esta de governadores que denunciaram os crimes de Dilma e querem ter mais prazo para pagar suas dívidas sem terem que comprometer-se com limites aos gastos com pessoal? Para que mudar de governo se as práticas corruptas continuam as mesmas? Será que mentiram para nós? Se a gastança de dinheiro público continuará como antes e os mesmos otários pagarão pelos benefícios de uns poucos, será que havia outros motivos para tirar o PT do poder, motivos que não nos foram revelados? Será que o povo brasileiro nas ruas contra a corrupção serviu apenas para que uma gangue pudesse tirar a outra do poder?

    Assim como tenho minhas dúvidas em relação à utilidade de promulgar novas leis contra a corrupção, também tenho dúvidas se a solução proposta por Lawrence Lessig seria factível no Brasil. Será que nós, o povo brasileiro, estaríamos dispostos a fazer doações de 5 reais para políticos financiarem campanha? É verdade que houve na internet uma coleta de dinheiro para financiar a defesa jurídica de José Genoíno, mas os doadores foram simpatizantes do PT. Será que o cidadão comum, que nunca teve filiação partidária e muito menos ativismo político, estará disposto a ceder parte do seu suado dinheiro para políticos cuja credibilidade é cada vez mais baixa?

    Estamos em um círculo vicioso: desconfiamos dos nossos representantes, os escolhemos mal, não estamos dispostos a participar das campanhas. Eles se voltam para os grandes doadores e com isso acabam vendendo facilidades em troca de dinheiro, tomando decisões sobre como gastar o dinheiro público que não tem nada a ver com as necessidades dos brasileiros. Vendo como os eleitos são ineficientes, nós eleitores tornamo-nos cada vez mais indiferentes e escolhemos cada vez pior. Ficamos cada vez mais sem alternativas reais, é sempre mais do mesmo, da mesma patota que se dedica a defender os interesses dos grupos que exercem pressão. Se continuarmos sofrendo na carne essa inversão absurda de prioridades, não sei o que será da nossa república democrática.

    Prezados leitores, por ora vamos curtir as Olimpíadas, torcer pelos atletas brasileiros que terão destaque. Depois é hora de chorar pelo dinheiro gasto para atender os interesses de empreiteiras, redes de televisão e políticos. O terceiro passo seria nós arregaçarmos as mangas e tratarmos de salvar nosso sistema político, forçando os representantes a mudarem suas práticas. Não me perguntem como.

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Um Mundo que Cai

Os piores medos da OPEP estão se tornando realidade. Vinte meses depois de a Arábia Saudita ter tomado a trágica decisão de inundar os mercados mundiais com petróleo, ela ainda não comseguiu quebrar a indústria do petróleo de xisto nos Estados Unidos. Os países do Golfo, liderados pela Arábia Saudita, com certeza foram bem-sucedidos em acabarem com uma série de megaprojetos globais em águas profundas. Os investimentos em exploração, produção e transporte de 2014 a 2020 serão 1,8 trilhão de dólares a menos do que se supunha anteriormente de acordo com a firma de consultoria IHS. Mas essa vitória é amarga, na melhor das hipóteses. Os exploradores de gás de xisto por meio de fraqueamento na América do Norte estão cortando custos de maneira tão rápida que a maioria deles consegue produzir a preços bem abaixo dos níveis necessários para financiar o estado de bem-estar social da Arábia Saudita e sua máquina militar ou para cobrir o deficit orçamentário da OPEP.

Trecho retirado do artigo “O petróleo de xisto do Texas lutou com a Arábia Saudita até imobilizá-la”, publicado por Ambrose Evans-Pritchard na edição eletrônica do jornal inglês Telegraph em 31 de julho de 2016.

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Foto tirada em algum lugar do Brasil e pulicada no Twitter

    Prezados leitores, devo informar-lhes que Carcará, Stavanger, Rio de Janeiro, Ghawar, Viena, Ryad, Texas, Brasília e Rio de Janeiro estão todos ligados. Não digo simplesmente que estejam conectados pela internet, mas o que ocorre em um local tem efeito sobre os outros, de maneiras inesperadas. É essa a verdadeira globalização, e não aquela de que falam abstratamente em artigos acadêmicos, jornais e revistas. A aldeia global se concretiza quando enxergamos as relações entre fenômenos aparentemente independentes entre si.Explico-me.

    A Petrobras acaba de divulgar que vendeu por US$ 2,5 bilhões sua participação no bloco exploratório BM-S-8, onde está localizada a área de Carcará, no pré-sal da Bacia de Santos. A venda para a estatal norueguesa Statoil faz parte da estratégia de desinvestimentos da nossa estatal, que pretende angariar US$ 15 bilhões de dólares no biênio 2015-2016 para diminuir o grande volume da dívida. Os noruegueses depois de refletirem muito na sede da empresa em Stavanger devem ter pensado ser um bom negócio comprar a preços módicos de uma outra estatal de petróleo que está em sérias dificuldades financeiras e precisa de caixa o mais rápido possível.

    O petróleo do pré-sal, que segundo consta no site da Petrobrás, custa 8 dólares o barril, é quase quatro vezes mais caro do que o petróleo produzido no maior campo convencional do mundo, o de Ghawar na Arábia Saudita, que produz 5 milhões de barris por dia a um custo que gira em torno de 2 dólares (não se sabe o número exato porque a estatal saudita, Saudi Aramco, não divulga). Esse preço divulgado pela Petrobrás para fins mercadológicos provavelmente é só o custo da extração, não levando em conta despesas de capital, tributos, custos administrativos e de transporte. Em julho de 2008 o preço do barril de petróleo atingiu 133 dólares e hoje gira em torno de 40 dólares (para ser exata, o preço de 29 de julho foi de 39,97 dólares).

    Em 2014, os países-membros da OPEP aumentaram a produção vertiginosamente com o objetivo, dentre outros, de que não tratarei aqui, de eliminar do mercado certos concorrentes, como os produtores de petróleo de xisto nos Estados Unidos que o retiram de rochas por meio do fraqueamento hidráulico. O que eles não esperavam é que os americanos conseguiriam aumentar vertiginosamente a produtividade desde 2012, de forma que em certos locais no Texas os custos de produção antes dos impostos já chegaram a 2,25 dólares por barril. Isso significa que o petróleo do pré-sal atualmente não é competitivo nem em relação ao petróleo do Oriente Médio, de fácil extração porque em terra, e nem em relação ao petróleo de xisto da América do Norte, pois inovações tecnológicas têm permitido que o fraqueamento consiga retirar cada vez mais óleo negro das rochas.

    Dessa forma, o cálculo dos noruegueses deve ter sido mais ou menos assim: vamos guardar Carcará como uma reserva para tempos melhores, comprando na baixa o ativo da Petrobras e vendendo a produção quando os preços aumentarem. Os noruegueses sempre pensam no longo prazo, estão juntando os ovos. E nós brasileiros? Bem, nós sonhamos e nossos castelos de areia foram levados pela marolinha. Em suma, nosso mundo caiu, parafraseando a grande cantora Maysa. Os noruegueses podem fazer sua poupança para desfrutá-la em tempos melhores, nós estamos sofrendo agora, com o desemprego, e a inflação, e sofreremos por mais alguns anos, as consequências dos sonhos desfeitos.

    O petróleo acima de 100 reais em 2008 permitiu a Lula nosso então presidente viver de otimismo, isto é manter-se no poder e eleger seu sucessor, e oferecer-nos otimismo. A esses preços estratosféricos, explorar o pré-sal era totalmente viável economicamente, e ainda havia uma gordura para políticas desenvolvimentistas, como a exigência de conteúdo mínimo nacional nas compras da Petrobras. Os custos poderiam até ser maiores em fabricar coisas no Brasil, mas ao final teríamos uma indústria naval renascida e uma cadeia de produção em torno do petróleo diversificada. Geraríamos empregos e um ciclo virtuoso seria iniciado. Por que não sediar os Jogos Olímpicos em 2016? Em 2 de outubro de 2009 quando o Rio foi escolhido, pensar grande, embalados pelas riquezas vindouras do pré-sal, era possível para nós brasileiros, e para Lula desejável, porque permitia a ele vender o seu peixe e o do seu partido e manter-se reinando em Brasília pessoalemtne ou por meio de sua “esquentadora de cadeira”, Dilma Rousseff.

    Bem, os países-membros da OPEP reunidos na sede da entidade em Viena têm decidido aumentar sistematicamente a produção: de acordo com o órgão americano de informações sobre energia, em 2014 os países do cartel produziram 37,46 milhões de barris por dia, em 2015 38,33 milhões, em 2016 39,38 milhões em 2017 prevê-se que produzam 40,22 milhões de barris por dia. Isso tem mantido os preços baixos devido à estabilidade da produção de países não membros do cartel. Para nós essas reuniões vienenses tiveram efeitos catastróficos. Tudo o que havia sido planejado e tinha começado a ser construído em função da exploração do pré-sal está ameaçado. O Comperj, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, um dos símbolos do renascimento industrial do Estado, está sendo reavaliado pela Petrobrás, o que significa que investimentos deixarão de ser feitos. Com preços do petróleo em queda não há receitas tributáveis, sem receitas tributáveis não há royalties, sem royalties, não há receitas públicas, sem receitas públicas, não se cobrem as pedaladas fiscais do governo carioca, que fica sem dinheiro para levar a cabo os Jogos Olímpicos.

    Prezados leitores, qual o melhor símbolo do Brasil neste período pós-hecatombe nuclear? O calçadão de porcelanato em Rio das Ostras, feito com o finado dinheiro do petróleo, ou os pneus velhos imitando o símbolo olímpico? A mania de grandeza ou o elogio da pobreza?

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Les bêtes noires

No domingo de manhã, durante a transmissão do programa “The Week” da rede ABC, o chefe da campanha de Hillary Clinton, Robby Mook, acusou o Wikileaks de ter publicado documentos fornecidos pelos russos para ajudar Trump.

Trecho retirado do artigo “O Partido Democrata vê a mão da Rússia por trás da publicação dos e-mails pelo Wikileaks” publicado na edição eletrônica do jornal Le Monde de 25 de julho

Acompanhamos atentamente as discussões tanto das elites dirigentes quanto da comunidade de especialistas. É suficiente ver as manchetes da imprensa ocidental no último ano. As mesmas pessoas que eram chamadas de defensores da democracia, são depois tachadas de islâmicos; primeiro eles escrevem sobre revoluções e depois as chamam de distúrbios e sublevações. O resultado é óbvio: a expansão cada vez maior do caos no mundo. […] Temos plena consciência de que o mundo entrou em uma fase de mudanças e transformações globais, quando precisamos de um grau especial de cuidado, da capacidade de evitar dar passos sem pensar. Nos anos depois da Guerra Fria, os participantes da política global perderam de certa forma essas qualidades. Agora precisamos lembrarmo-nos delas. Do contrário, as esperanças de desenvolvimento pacífico e estável serão uma ilusão perigosa, e o tumulto atual será um simples prelúdio do colapso da ordem mundial.

Trecho retirado do discurso de Vladimir Putin em Sochi em 24 de outubro de 2014 no 11º encontro do Clube de Discussões Valdai International

    Prezados leitores, o circo da eleição americana está montado. No dia 21 de julho Donald Trump foi oficialmente ungido candidato do Partido Republicano à presidência dos Estados Unidos, e nesta semana será a vez de Hillary Clinton pelo partido democrata. Utilizo a palavra circo porque decididamente os acontecimentos são sempre espalhafatosos. Para além das diatribes no Twitter, em que as gozações mútuas incluíram ataques à reputação moral e à beleza física das esposas dos candidatos à chapa republicana, houve o discurso surpreendente de Ted Cruz. O senador pelo Estado do Texas, discursando aos delegados do partido durante a convenção republicana em Cleveland, recusou-se a endossar o magnata do ramo imobiliário, recomendando aos colegas que votassem de acordo com sua consciência. Cruz teve que salvar sua mulher Heidi das vaias dos delegados que gritavam para ela “Goldman Sachs, Goldman Sachs”. O último fato bombástico foi a revelação do site Wikileaks de e-mails hackeados do Comitê Nacional dos Democratas revelando que os caciques do partido deram uma ajudinha a Hillary Clinton, em detrimento de Bernie Sanders, o velhinho que angariou a simpatia dos mais jovens, mas acabou derrotado nas prévias eleitorais pela candidata do establishment.

    Em suma, há muita raiva mútua e a campanha promete ser uma troca incessante de ataques entre Trump e Clinton com a superficialidade, a virulência e a eficácia que as mídias sociais atualmente possibilitam com suas hashtags, as curtidas e não curtidas, e claro as mensagens curtas. Na quinta-feira dia 21 assisti ao discurso de investidura de Donald Trump na íntegra. Durante todo o tempo, lembrei de Mussolini, o velho Benito, que tinha uma maneira característica de dizer uma frase de efeito, girar a cabeça lentamente para um lado e para o outro, e depois levantá-la, mostrando seu queixo protuberante – ou assim parecia pelos gestos – e esperando, satisfeito consigo mesmo e com sua virilidade, o efeito que suas palavras teriam sobre a massa. Donald faz exatamente a mesma coisa, não sei se de caso pensado ou simplesmente instintivamente sabe como colocar-se como o Deus ex-machina de que os americanos precisam para livrarem-se de sua classe política corrupta e venal. As frases de Trump eram curtas e grossas: promessas gerais sobre o que vai fazer, sem entrar em detalhes sobre o como, e insistência em temas caros àqueles que têm medo como “law and order”, expressão que apareceu em seu discurso várias vezes e sempre pronunciada de maneira lenta para melhor absorção pelo público. Seus ataques a Hillary foram implacáveis: chamou-a de marionete, que faz aquilo que seus doadores de campanha ordenam que faça, referiu-se à esperteza dela de ter conseguido livrar-se das garras da justiça tendo violado a segurança dos Estados Unidos ao utilizar seu servidor pessoal para lidar com e-mails do Departamento de Estado no tempo em que ela era a responsável pela política externa americana. Por fim acusou-a de incompetente, de ter sido responsável pela derrubada de Muammar al-Gaddaf na Líbia e com isso ser responsável pelo caos no Oriente Médio e a crise migratória na Europa. Trump parecia um galo de briga, levantando o peito para o adversário para mostrar sua força. Em suma, o Aprendiz-Mor fez jus à sua fama, marcou presença da maneira sempre incisiva.

    As reações ao candidato republicano são sempre radicais, do tipo ame-o ou deixe-o. Louco, imbecil, fascista para uns, genial para outros. Este meu introito sobre o conteúdo e a forma do discurso do clone do líder fascista italiano serve para que eu expresse minha humilde opinião sobre quem é o melhor candidato, ou talvez o menos pior. Considero a escolha do gestor do Império americano de relevância para todos nós, e pelo fato de haver tantas nuvens no horizonte considero Trump o melhor candidato para garantir a paz mundial. Antes que riam de mim, explico-me.

    Hillary Clinton é uma lídima representante dos neo cons, foi das primeiras a apoiar a Guerra no Iraque, e quando foi chefe do Departamento de Estado planejou a derrubada de Gaddaf na Líbia, o que abriu uma caixa de Pandora no Oriente Médio e MAGREB, em que o Estado Islâmico é a manifestação mais recente, depois do Talibã e da Al-Qaeda. Ela já se referiu ao presidente da Rússia como o novo Hitler e não admira que seu staff acuse os russos de tramarem contra ela com o vazamento dos e-mails sobre o boicote de Bernie Sanders pelos dirigentes do Partido Democrata. Para quem não sabe, a Guerra Fria está em plena efervescência, apesar de ter sido oficialmente extinta em 1991 com o colapso da União Soviética. Este episódio do doping dos atletas russos é apenas mais uma escaramuça entre Estados Unidos e o urso do Leste: querer proibir os esportistas da Rússia de participarem das Olimpíadas Rio 2016 é de uma hipocrisia infinda, porque todo sabemos que os esportes são hoje movidos a dinheiro, o desempenho excepcional é um produto e para oferecê-lo nas mais variadas cores e formatos, a ajuda de drogas é essencial. Eu cheguei até a ler em uma coluna em jornal brasileiro que o doping russo é política de Estado, fomentada é claro pela besta apocalíptica de nome Vlad. Não coloco a mão por nenhum dos que irão participar desta Olimpíada, mas querer que o público acredite que só a Rússia deve ser exemplarmente punida porque são seus esportistas os mais dopados é muita má fé. Há outros objetivos por trás, o principal deles, o de tornar o país um pária na tal da comunidade internacional.

    Outro sinal de que a Guerra Fria renasceu das cinzas é que os Estados Unidos, sob a fachada da OTAN, está atualmente instalando na Polônia o Sistema de Defesa de Mísseis Balísticos Aegis. A razão oficial é proteger a Europa do Irã, a razão subentendida é a de defender a Polônia de ataques russos, a razão verdadeira, na opinião de Putin, é cercar a Rússia de mísseis para atacá-la. É por isso que acho Trump uma opção mais segura para evitar o confronto entre potências nucleares, que seria fatal para todos nós. Em entrevista ao jornal The New York Times e no seu próprio discurso de investidura, o magnata afirmou que se for presidente não vai garantir a segurança de nenhum membro da OTAN se este membro não fizer sua devida contribuição material à defesa coletiva. Na prática, se a Polônia resolver bancar a engraçadinha e provocar a Rússia contando que terá a proteção do Tio Sam, em um governo do “The Donald”, ela dará com os burros n´água. Isso vai evitar que grandes potências iniciem uma guerra mundial por causa de países menores, como ocorreu tanto na Primeira quanto na Segunda Guerra Mundial (aliás neste caso envolvendo a mesma Polônia).

    Prezados leitores, estamos vivendo tempos perigosamente interessantes. A China tem 5.000 anos de história, a Rússia mil, nenhum deles vai render-se aos Estados Unidos, mesmo porque não perderam nenhuma guerra para eles. A política externa americana nestes últimos 20 anos tem sido pautada pelo lema faça o que nós quisermos se não será considerado ditador, terrorista, sofrerá sanções econômicas. Se a América continuar arvorando-se como polícia do mundo, invadindo países como fez no Iraque, insuflando rebeliões como fez na Ucrânia e na Síria, o “colapso da ordem mundial”, leia-se a guerra nuclear, estará cada vez mais próximo. Por considerar que seja muito mais provável que as duas bêtes noires da cena mundial, Trump e Putin, estabeleçam relações de respeito mútuo do que Hillary e Vlad estabeleceriam, eu torço para que o clone do Benito Mussolini seja eleito em 8 de novembro.

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Liberdade, abre as asas

Cinco filhos e dos cinco, só restava o último, um ser versátil, sem palavra nem vigor, e capaz de tudo menos portar a coroa de maneira digna. […] Eleonor não tinha ilusões nem sobre as capacidades do seu filho nem sobre os sentimentos dos senhores feudais a seu respeito. O liame feudal é um vínculo pessoal e a pessoa de João não tinha nada que pudesse lhe valer aquela fidelidade que o senhor espera do vassalo.

Trecho retirado do Livro “Aliénor D’Aquitaine” da historiadora francesa Régine Pernoud, sobre o rei da Inglaterra João sem Terra, filho de Eleonor, que foi obrigado, em 15 de junho de 1215, a conceder aos barões reunidos em Runnymede a Magna Carta, considerada a pedra fundamental das liberdades constitucionais da Inglaterra.

Está escrito nos livros de história e também no noticiário: a única democracia verdadeiramente operante é a inglesa… O Reino Unido provou pela enésima vez que acredita na vontade do povo e que sabe como respeitá-la com elegância.

Comentário do editor do jornal italiano Libero, Vittorio Feltri, sobre a decisão do povo britânico de sair da União Europeia, tomada no referendo de 23 de junho

    Prezados leitores, confesso que torci como uma louca pelo Brexit, tão loucamente como torcia pela finada seleção brasileira de futebol quando éramos os melhores do mundo e ganhávamos Copas nos quatro cantos do mundo. Estava eu trabalhando na quinta-feira por volta das 11 da noite quando decidi dar uma olhada no site do jornal Daily Mail. Para meu desgosto eles previam uma vitória do Remain. Voltei a trabalhar. Dali 15 minutos, já exausta, voltei ao dailymail.co.uk. A manchete era outra: uma das zonas eleitorais, cujo nome não lembro, tinha dado mais de 60% dos votos ao Leave. Foi a partir daí que a maré virou e o que era surpreendente tornou-se favas contadas: por volta da meia-noite e meia o apresentador da BBC admitia que o Brexit havia vencido e Nigel Farage, profundamente emocionado, anunciava que já era possível esperar que o sonho da sua vida iria tornar-se realidade: a ilha estava dizendo adeus à União Europeia.

    Como já disse aqui inúmeras vezes, e considero ser meu dever repetir periodicamente para que não haja mal-entendidos, não tenho a pretensão de convencer ninguém a respeito das minhas ideias: cada um informa-se de determinada maneira, tem seus valores, seus preconceitos (sem atribuição de nenhum sentido pejorativo a uma palavra que para mim quer dizer simplesmente conceito prévio). Isso não tira minha vontade de expor o que eu penso com a clareza que minhas faculdades mentais permitem, não para convencer, mas para provocar. Considero o Brexit uma pequena vitória contra certas coisas que me irritam e que vou tentar explicar aqui.

    Em primeiro lugar, o Brexit é obviamente uma vitória contra a União Europeia, união que impôs o euro a países com economias muito diferentes, o que causou um desastre no Sul da Europa, obrigados a utilizar uma moeda muito forte, incompatível com seus níveis reais de produtividade relativamente aos países do Norte da Europa. A Grécia hoje é colônia da Alemanha, em vários aspectos, desde o fato de ter vendido aeroportos a empresas alemãs até o fato de ter recebido um cala-boca monetário da senhora Ângela Merkel para receber os imigrantes vindos do Oriente Médio que desembarcam em suas praias e fazer cara de paisagem. A Itália atualmente tem uma dívida pública de 132% do PIB, 7% da sua população vive na miséria absoluta, e 40% dos jovens entre 15 e 24 anos estão desempregados. Os três últimos primeiros-ministros do país foram impostos por Berlin e Bruxelas, sem terem sido escolhidos pelo povo. Portugal tem uma dívida pública correspondente a 129% do PIB e 19% da sua população vive abaixo da linha de pobreza. Na Espanha a porcentagem dos que vivem abaixo da linha de pobreza está em 21% e a dívida pública está em 101% do PIB. Em suma, todos os países bastante endividados e presos à camisa de força da moeda única, que impede que se livrem de suas dívidas pela inflação e desvalorização da moeda.

    A sina deles é pagar cada centavo de euro devido aos grandes bancos fazendo ajustes fiscais draconianos cujo ônus recai sobre aqueles que recebem benefícios sociais do governo, mas que beneficiam aqueles que compram bens públicos a preços convidativos. Portugal tinha um déficit público de 11% do PIB em 2010 e conseguiu baixá-lo para 3,5% em 2015. Este é o vale de lágrimas que nós brasileiros trilharemos depois da ressaca das Olimpíadas de agosto: os países do Club Med europeu estão pagando pela farra de empréstimos proporcionada pelo euro que facilitou o acesso ao crédito a juros baixos; nós pagaremos pela gastança desabrida proporcionada pela ilusão do pré-sal. O efeito prático é o mesmo: os menos beneficiados pela orgia financeira serão os primeiros a serem chamados a dar sua contribuição.

    Em segundo lugar, o Brexit é um tapa com luva de pelica nos politicamente corretos, que tem as ideias corretas e por isso acham-se no direito de olharem com condescendência aqueles que são estúpidos, ou racistas demais, ou velhos demais para não repetirem o mantra da globalização. O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama é emblemático. Esteve em Londres antes do referendo e disse que se o Reino Unido saísse da União Europeia iria ficar no fim da fila dos que querem assinar acordos comerciais com os Estados Unidos. Em suma, o líder de um país que mal e mal tem 500 anos estava lá ditando comportamentos a um país que há exatos 801 anos já tinha estabelecido o habeas corpus, o devido processo legal e o princípio do “no taxation without representation”, princípio este aliás que foi uma das justificativas fundamentais da revolta dos colonos americanos contra a metrópole britânica no século 18. Cara pálida, professor de Direito Constitucional de Harvard, foram os ingleses que inventaram a liberdade! Inventaram-na para protegerem-se de soberanos incompetentes como o Rei João sem Terra, em quem nem a própria mãe confiava. Como ousas querer interferir na liberdade de eles decidirem conduzir seus destinos como nação soberana, ameaçando-os veladamente de transformá-los em párias internacionais?

    Prezados leitores, ainda é muito cedo para dizer que os britânicos recuperaram de fato sua liberdade. Teresa May, a nova primeira-ministra, colocou Dave Davis, um eurocético, para conduzir as negociações com a União Europeia, cujos tentáculos são enormes e vorazes. O importante é que bobagens como a realização de um novo referendo dos que não sabem perder foram imediatamente descartadas por Teresa que disse que não é não e que é preciso preparar a saída. O povo falou, o povo que vê os serviços públicos sobrecarregados pelo maior número de usuários, fruto da imigração ao Reino Unido, o povo que quer manter a capacidade do seu Parlamento de fazer suas próprias leis sem ser ordenado por burocratas de Bruxelas que não foram eleitos por povo nenhum.

    Em frente ao Parlamento em Londres há uma estátua do Rei Ricardo Coração de Leão, o filho querido de Eleonor de Aquitânia que morreu aos 41 anos, vítima de uma flechada no ombro e que foi sucedido por seu irmão João. Sem a morte prematura de Ricardo sem herdeiros João não teria subido ao trono, e sem sua invencível incapacidade de governar não teria havido a Magna Carta. Sem a Magna Carta a democracia na Inglaterra não teria se desenvolvido da maneira robusta que o fez. Sim, os jovens votaram pela União Europeia e os velhinhos ultrapassados votaram pelo “Tchau querida”. Mas talvez uma das razões seja que os velhinhos quando passaram pela escola aprenderam sobre Ricardo Coração de Leão, herói das Cruzadas, e sobre seu irmão mais novo, João Sem Terra, herói involuntário da Magna Carta. Hoje o conhecimento dos jovens sobre o passado parece se resumir à Segunda Guerra e ao monstruoso Hitler. Essa é uma pequena grande diferença: os velhinhos sabem como a liberdade foi conquistada e querem preservá-la, porque uma vez perdida ela precisa ser recuperada à força. Liberdade, abre as asas sobre os ingleses!

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A gente vai legislando, a gente vai legislando…

Com uma pontuação de 76, o Brasil tem um alto índice de aversão à incerteza – assim como a maioria dos países latino-americanos. Essas sociedades apresentam uma grande necessidade de regras e regimes jurídicos complexos para estruturar a vida. A necessidade do indivíduo de obedecer às leis, no entanto, é fraca. Se as regras não conseguem ser mantidas, novas regras são estipuladas. No Brasil, assim como em todas as sociedades em que é alto o índice de aversão à incerteza, a burocracia, as leis e as regras são muito importantes para tornar o mundo um lugar mais seguro de viver.

Trecho do relatório sobre o Brasil preparado pelo psicólogo social e antropólogo organizacional holandês Geert Hofstede, que avalia os países de acordo com a distância em relação ao poder, o individualismo, a masculinidade, a aversão à incerteza, a orientação de longo prazo e a indulgência

O plano A é o controle de despesas, o B é privatização, e o C, aumento de imposto. […] Teremos privatizações, concessões, outorgas, securitizações, etc. Elas virão de qualquer maneira.

Trecho de entrevista dada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles ao jornal O Estado de São Paulo, e publicada em 10 de julho sobre as medidas de austeridade fiscal

    Prezados leitores, permitam-me voltar a um tema do qual já tratei neste meu humilde espaço, mais precisamente em novembro de 2014, quando escrevi um artigo intitulado “Leis para que as queremos”: nossa obsessão em acreditar que novas leis são a salvação da lavoura nacional. O motivo do meu retorno é porque achei um gringo que corrobora esse achado que a qualquer brasileiro é óbvio: a sofreguidão com que elaboramos, promulgamos e, mais importante, desrespeitamos as leis. O gringo em questão é um holandês Geert Hofstede, nascido em 1928. Ele elaborou o primeiro modelo empírico das dimensões da cultura de cada país, que permitiu levar em conta os elementos culturais na cooperação, na comunicação e na economia internacionais, como informa o site do Professor Emérito da Universidade de Maastricht.

    É óbvio, porque faz parte dos nossos mais arraigados valores, do nosso modo de pensar, de sentir e de reagir, e assim de difícil erradicação. Sai governo, entra governo, de esquerda ou de direita, corrupto ou honesto, a muleta é sempre a mesma, disfarçada como algo novo, por meio de um palavreado rebuscado, como “marco regulatório”, mas que é sempre vendido como a panaceia que vai nos abrir as portas da redenção política, social, econômica, cultural. Os novos donos do poder, que vieram para substituir o lulo-petismo enxovalhado pela Operação Lava Jato, já nos ofereceram seu leque de drogas miraculosas.

    Há a Proposta de Emenda à Constituição estabelecendo um teto para o gasto público. Uma ideia sensata, diria genial. Genial porque com certeza conseguirá fazer-se respeitar como não o foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, em vigor desde 2000. A LRF foi currada, sodomizada, estuprada, conspurcada, vitimizada, violentada de Norte a Sul do Brasil, sem dó nem piedade, por todos os entes da federação. A conta dessa orgia de depravação pagaremos por longos anos, mas o importante dessa experiência traumática para as contas públicas e o bolso dos contribuintes é a lição a tirar disso.

    O problema não é que nossa pontuação no índice de Hofstede é de 44 em orientação de longo prazo e de 69 em distância em relação ao poder, que mede o quanto os membros menos poderosos das organizações ou instituições no país esperam e aceitam que o poder seja distribuído de maneira desigual. Tais traços culturais, que revelam a falta de meios que os brasileiros têm ao seu dispor de controlar efetivamente o que nossos dirigentes fazem, e a nossa pouca “capacidade de lidar com os desafios do futuro”, são irrelevantes. A razão por que a LRF não conseguiu fazer com que os gastos públicos fossem controlados e feitos de maneira a satisfazer o interesse público é uma mera tecnicalidade jurídica. A LRF é lei complementar, de posição inferior na hierarquia das leis àquela de que gozará uma emenda à Constituição, que é a Lei Maior. Em suma, se o comando de gastar modica e eficazmente tiver status de constitucional ele com certeza será respeitado.

    Engraçado, estamos agora às voltas com uma polêmica a respeito dos tais sacrossantos preceitos constitucionais. Nosso egrégio Supremo Tribunal Federal tem-se mostrado especialmente confuso a respeito de um comando que à primeira vista parece ter um significado óbvio, o inciso 57 do artigo 5º da Constituição Federal que diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” Na prática isso significa que o réu tem direito de recorrer em liberdade, aliás significava até que em fevereiro, no calor das condenações em série do Juiz Sérgio Moro, o STF decidiu por sete votos a quatro que uma condenação no Tribunal de Justiça era suficiente para mandar à cadeia, mesmo sem sentença definitiva. Eis que no último dia 5 de julho o ministro Celso de Mello, monocraticamente, isto é, individualmente, mandou suspender a execução de mandado de prisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

    Ou seja, os ministros da Corte Suprema da Nação, postos contra a parede pela Operação Lava Jato, ainda não conseguiram decidir o que significa o tal do inciso 57, o que faz com que uma norma constitucional fique sem eficácia. Portanto, incluir algo na Constituição como forma de “blindagem” para usar uma palavrinha que agrada aos nossos governantes, não garante que todos respeitarão o comando. A blindagem é apenas uma muleta, que logo, logo, deixará de ser útil e será jogada em uma caçamba qualquer, talvez perto do Congresso Nacional quando construírem o sonhado shopping center por lá.

    Outra das soluções velhas empacotadas como revolucionárias são os tais dos novos marcos legais. Teremos concessões, outorgas, privatizações, em suma um arcabouço jurídico original que será mais atraente para o setor privado pois permitirá retorno maior e mais garantido dos investimentos, melhores serviços, mais competição e criação de empregos com as obras de infraestrutura. Em suma, um círculo virtuoso proporcionado pelas novas leis que o governo de Michel Temer vai promulgar. Quem garante não é só o ministro da Fazenda, mas dona Elena Landau, a musa das privatizações de Fernando Henrique Cardoso.

    Por outro lado, parte das novas leis sobre outorgas, concessões e privatizações servirá para burlar as leis antigas: Elio Gaspari, em sua coluna de 10 de julho no jornal O Globo, informa os leitores a respeito das benesses que estão sendo preparadas para os investidores privados: perdão de aluguéis de aeroportos devidos pelas concessionárias no valor de R$ 2,3 bilhões, extensão do prazo das concessões de rodovias, transferência da titularidade de imóveis e infraestrutura públicos às operadoras de telefonia. As concessionárias de rodovias cumpriram no máximo 40% do que foi estipulado no marco regulatório dos governos passados, e agora o governo de Michel Temer oferece novas leis que tornarão os negócios menos arriscados, eximindo-as de cumprir condições antes obrigatórias nos contratos administrativos celebrados com os entes públicos.

    Será que o povo brasileiro terá o maná prometido pelos arautos do novo marco legal? É ver para crer se a venda dos ativos públicos gerará receitas suficientes para cobrir o déficit e nos oferecerá variedade de serviços e preços em regime de competição de mercado. Mas se tivermos que pagar 26 reais por um sanduíche de pão com queijo como tive que fazer em maio no maravilhoso Terminal 3 do Aeroporto de Guarulhos, então no governo pós-Temer com certeza o chefe do Executivo nos brindará com um novo pacote de Medidas Provisórias para acabar com os abusos.
Prezados leitores, de lei em lei, a gente vai levando essa chama, no caso a crença brasileira no poder de novas regras que substituam as velhas: não deixem de botar fé na Lei das Estatais, e torçam para que as medidas de combate à corrupção propostas pelos nossos heróis do Ministério Público sejam aprovadas logo. Afinal, para nós legislar é cultura.

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